terça-feira, 15 de março de 2011

Linha d’Água
1

Em plena cidade,
Um lago repousa.
Peixes nas nuvens
E pássaros à solta:
Está-se bem aqui.

2
A brisa sussurra:
Esqueci de onde vim.
Ocioso,
Contemplo o céu
E o caminho percorrido.
O futuro está armadilhado,
Mas as nuvens lá em cima,
Ajudam-me a esquecê-lo

3
Apetece dizer:
Alimento-me de palavras
Para não morrer de fome.

4
Por vezes,
A única questão
É saber se mais vale
Ir roto ou nu.

Por isso,
Mais vale reconhecê-lo desde já:
O mais urgente é calar fundo.

*
Que saudades tenho dos deuses.
Que vai ser de mim
Quando parar de sonhar?

*

No meio de mil palavras
Ou mesmo mil versos
Há sempre um homem só.

A única poesia é essa.

*

Vivemos mais desgostos que anos de vida
E menos alegrias do que desejaríamos.
Acham justo?

*

Provérbio chinês
«Chegando ao fundo, começamos a saber parar».
*
Notas sobre fotografia
Há paisagens que nos ensinam a fotografá-las. E outras que se esquivam irremediavelmente.

Nunca fotografo paisagens. A não ser que haja algum mistério nelas.

A paisagem precisa que a luz e o olhar estejam à sua altura.

O mais belo perante uma paisagem é sempre o que sentimos perante ela.

O mais efémero da paisagem é o nosso olhar.

*

Ideia a desenvolver: anjos numa capoeira.

*

Um homem na cama. Acorda. Estremunhado vai à casa de banho. No caminho, derruba uma cadeira, mas não se dá ao trabalho de a apanhar.
Na casa de banho, descobre que tem sangue na cueca. Pragueja e atira as cuecas para o chão. Imagem das cuecas. Do sangue.
O homem toma um longo duche. Faz a barba, lava os dentes. Depois, volta ao quarto, abre o estore e a janela.
Está um dia de merda. Então, diz: «Passamos uma grande parte do tempo a fazer de conta. Só por breves momentos conseguimos viver verdadeiramente a nossa vida».


*
Dejá vu
Uma senhora sentada na mesa ao lado da minha anuncia à amiga que a filha vai dirigir um festival de música. De súbito, sei que já ouvi esta conversa, embora isso seja impossível. E penso: «Tomamos por improvável o que a nossa mente não entende. Mas também não entendemos a nossa mente.»

*

Pensamento do dia
Que o amor é muito mais importante do que o sexo é algo que vamos aprendendo com a idade.

*

Seres racionais? Nós? Tão pouco... Não há ninguém tão inteligente que ultrapasse a sua irracionalidade. Que consiga abafar a parte de irracionalidade que existe em si. A racionalidade é a ponta do iceberg.

*
No silêncio da noite, a angústia é uma música que longe de te apaziguar, te esfola.

*

Deus pode não existir, mas é tudo o que permanecerá depois de tudo desaparecer.

*

Projectos:
Um Homem Com Dono
As Férias de um Escravo
A Fábrica Avariada
Vale Esquecido
Hotelo
Tanto quanto me lembro

*

A minha Leica é uma Lumix
myfakeleica

*

Um vestido de pele
tingido de preto.
De mãos atadas, espero
que o sol o dispa.

*

Toda a gente na esplanada parece esperar.
O quê?
Que eu me vá embora?
Que a cidade se desvaneça no ar?
Que o diabo os tire desta mansidão?

De mãos vazias o pergunto.
Não respondam todos ao mesmo tempo.

*

Contemplem a minha nudez:
a minha armadura é feita de ossos,
sangue e ocasiões perdidas.

*

Por vezes,
o que escrevo
faz-me o efeito
de um animal morto
no meio da estrada.

Da poesia
já só resta
o desespero.

*

Sou um guerreiro vencido
Na prisão de uma liberdade
Vã.

Sou um pedaço de barro,
Um artesão das palavras mais banais,
Perdido nas margens da memória.

Sou uma sombra, um eco,
Do que fui, e serei,
Uma estátua errante e mortal.

*

Passa um avião e inquieto-me.
Por vezes, até a calma é uma maldição.

*

As palavras que procuro… não encontro.
As que encontro… desiludem-me.
Se sou poeta, com desespero o vivo.
A minha loucura não tem comparação.

*

Com um escasso punhado de palavras
A mão da memória
Na sua perfeita simplicidade
Liberta ideias…

*

«As imagens são bonitas, não podemos passar sem elas, mas são também um tormento».Kafka numa carta para Felice

*

Freud afirmava que «fazemos música para evitar sermos esmagados pelos horrores da realidade».

*