quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Quando ando pelas ruas, de máquina fotográfica na mão, o meu olhar infiltra-se em todos os espaços. Interiores e exteriores.

Para o fotógrafo, a própria escuridão é um labirinto de imagens.

Pour le photographe, même la nuit la plus profonde est un labyrinthe plein d’images.

Sendo eu quem sou: a minha fotografia está, naturalmente, entre o visual e a palavra. Idealmente, as minhas fotos seriam como aforismos ou haikus. Fragmentos de pensamento, tanto como de realidade.

Pour moi, la photo tiens autant de l’image que des motos. Je cherche à faire des photos qui seraient comme des aforismes ou des haikus: dês pensées arrachées à la realité.

Imagens sem memória? É coisa que não existe. Não consegues ver uma foto, sem que a memória funcione.

A arte transforma o passado em futuro.

L’Art transforme le passe en futur.


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Aos olhos dos velhos, que todos os dias olham a morte nos olhos, temos todos a mesma idade, até os bébés.

Sou feito de continuidade, mas também de tensões e rupturas. Mas nunca regresso a lado algum: todo o meu ser está atirado para a frente.

Nenhum diálogo (infelizmente) é mais enriquecedor do que aquele que mantenho comigo mesmo. Eu sou um campo infinito de possibilidades.

Forças primordiais? Há muitas. O medo, por exemplo, é uma delas e das mais poderosas. O medo tem ainda mais força do que o amor como matriz constituinte.

Não há abrigos. Apenas a ilusão de abrigos. Estamos expostos a tudo, permanentemente. A tudo e todos. O acaso é a regra e a lei é a morte.

Não há liberdade sem disciplina. É uma grande lição. Mas a única disciplina que é necessária é interior.

Sou pelos ritmos irregulares, pelas dissonâncias harmoniosas. A música deve questionar-nos, mas não aborrecer-nos ou agredir-nos.
Para mim, música e silêncio não são contrários. As melhores sinfonias que ouvi, foi ao olhar os céus estrelados.
O som de um regato a correr, o riso de um bebé, a brisa que sussurra numa árvore. Haverá música mais maravilhosa?

Deus tem o sentido das metáforas.

Legenda para uma fotografia: «Vejam como vos vejo».

terça-feira, 15 de março de 2011

Peter Sloterdijk: «Être écrivain c’est ce laisser contaminer par les substances dangereuses de son époque».
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Só há dois tipos de pessoas verdadeiramente livres: as que têm tudo e as que não querem nada.

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Não me posso queixar. Nem isso posso.

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O que as árvores segredam, ouço com a caneta.
Na paisagem e no céu, estou sempre a descobrir poemas.

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Se nunca me tivesse perdido,
Nunca te teria encontrado.

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Sou tão superficial como este lago
E tão profundo que morrerei
Antes de vir à tona de água.

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Pensa nisto: quer passes a vida a pensar na morte, ou nunca penses nela, o resultado é o mesmo.

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Os vivos precisam dos mortos, por variadíssimas razões, sendo que uma delas é que sem eles não existiriam. Em contrapartida, tenho dúvidas de que os mortos precisem dos vivos.

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Projecto fotográfico: casais improváveis.

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Confissão

Os meus apontamentos são, frequentemente, escritos sobre textos alheios. Escrevo quase sempre nas costas dos outros.

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Toda a gente fala dos inconvenientes da velhice, mas poucos referem as vantagens. E há muitas. Tal como há em morrer. Mais que não fosse, morrer é um descanso.

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Schopenhauer: «Agora que se aproxima a minha morte, posso confessar: desprezo a nação alemã por causa da sua estupidez infinita, e tenho vergonha de lhe pertencer».
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Conheci um parvalhão que se diz fotógrafo. Segundo ele, «é impossível tirar uma boa fotografia a uma mulher feia».
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«Alguns velhos morrem, só porque já ninguém gosta deles», lembra Henry de Montherlant.

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Voltar a um livro passados muitos anos, é como regressar a um país que se visitou em tempos. Já não vamos encontrar as mesmas coisas. E ainda bem.

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Nunca entenderei porque é que certas mulheres tão bonitas têm os pés tão feios.

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Lao-Tseu: «Não faças nada e tudo será feito».
Ditado português: «Não faças nada, compra tudo feito».
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Henry de Montherlant: «Attendez un peu: le temps vous vengera».
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Só estamos com alguém que está connosco.

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A dependência que a maior parte das pessoas tem do telemóvel não abona nada a favor delas. Quem não sabe estar sozinho e em silêncio, não passa de um pobre coitado. Não devia haver melhor companhia do que a nossa, nós devíamos ser os nossos melhores interlocutores.

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Só admiramos verdadeiramente uma obra quando concluimos: eu não faria melhor. Do mesmo modo, só admiramos quem parece ser melhor do que nós.

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Houve um tempo em que não gostava de dormir, porque achava que era uma perda de tempo. Hoje, queria era dormir.

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Cair em si. Todas as quedas moem.

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Sempre que falo muito, arrependo-me. Também me arrependo sempre que publico um post neste blogue. Mas continuo a fazê-lo, porque quando não o faço, me envergonho da minha cobardia.

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Imagem-narrativa. As fotos que prefiro.

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Gosto tanto de ti que gostaria de ser teu filho.

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Tenho pena dos políticos: preferem ser imbecis e corruptos a não serem nada.

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A ambição nasce sempre de um complexo de inferioridade.

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Um filho, um amigo, uma namorada: uma só pessoa vale mais do que um país inteiro.

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Como dizia Pavese, «o maior pecado é uma existência mal governada».
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Um blogue dá-nos a ilusão de não falarmos sozinhos. Mas enganam-se os que pensam falar para uma multidão. Só temos um leitor de cada vez.

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Cesare Pavese:

«Agimos sempre no sentido do destino»

«Não se recordam os dias, recordam-se os instantes».

«A força da indiferença! – é ela que tem permitido às pedras permanecerem imutáveis durante milhões de anos.»

«Um bom começo seria modificar o nosso passado».

«Antes de nascer, estávamos todos mortos».

«Nunca esquecer que, por baixo de tudo, o homem está nu».

«Sofrer é sempre culpa nossa».

«O nervo de qualquer enredo é este: ver como certa personagem se desembaraça em determinada situação».

«… a vida é dor e o amor correspondido um analgésico, e quem desejaria acordar no meio de uma operação?»

«Se é verdade que nos habituamos à dor, como é que, com a passagem dos anos, sofremos cada vez mais?»

«E acima de tudo, ter presente que fazer poesia é como fazer amor: nunca se saberá se a nossa alegria é partilhada».

«A recompensa por termos sofrido tanto é, depois, morrermos como cães».

«As lições não se dão, recebem-se».

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Outro aforismo de Pavese: «Não nos libertamos de uma coisa evitando-a, mas só passando através dela».

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Não me venham dizer que a infância é um tempo maravilhoso. A minha foi uma merda. A juventude foi arrebatadora, mas sofri muito mais do que gozei. E na chamada «idade da razão» pouco mais fiz do que trabalhar no duro para criar os meus filhos. Em boa verdade, a vida só começou a ser generosa para mim já perto dos 50 anos.

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Nenhum ser vale mais do que qualquer outro.

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A boa fotografia torna incrível a coisa mais banal. A má vulgar banal a coisa mais extraordinária.

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O fotógrafo está sempre em estado de expectativa.

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Frase magnífica de Pavese: «Há vestidos tão belos que dão vontade de os lacerar».
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Uma ideia extraordinária que encontrei em Pavese: a dor como recordação de Deus.

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Anne Michaels:

«Um poeta sabe que nenhuma palavra deve ser desperdiçada. Quanto mais inexprimível é alguma coisa, mais exactos devemos ser.»

«As personagens ajudam-me a caminhar e adensar-me nas perguntas».

As nossas vidas estão inscritas nos nossos corpos. Às vezes os mortos descansam e outras não».

«A recordação leva-nos ao futuro».

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Não tenhamos medo de desaparecer. O mundo inteiro não tardará a seguir-nos o exemplo.

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México, no dia dos mortos, é a vida que se festeja. O Dia dos Mortos é uma explosão de alegria.

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Imaginem sair um dia à rua de fato e gravata e ver que está tudo de pijama. Quem é que acham que se ia sentir mal?

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Linha d’Água
1

Em plena cidade,
Um lago repousa.
Peixes nas nuvens
E pássaros à solta:
Está-se bem aqui.

2
A brisa sussurra:
Esqueci de onde vim.
Ocioso,
Contemplo o céu
E o caminho percorrido.
O futuro está armadilhado,
Mas as nuvens lá em cima,
Ajudam-me a esquecê-lo

3
Apetece dizer:
Alimento-me de palavras
Para não morrer de fome.

4
Por vezes,
A única questão
É saber se mais vale
Ir roto ou nu.

Por isso,
Mais vale reconhecê-lo desde já:
O mais urgente é calar fundo.

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Que saudades tenho dos deuses.
Que vai ser de mim
Quando parar de sonhar?

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No meio de mil palavras
Ou mesmo mil versos
Há sempre um homem só.

A única poesia é essa.

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Vivemos mais desgostos que anos de vida
E menos alegrias do que desejaríamos.
Acham justo?

*

Provérbio chinês
«Chegando ao fundo, começamos a saber parar».
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Notas sobre fotografia
Há paisagens que nos ensinam a fotografá-las. E outras que se esquivam irremediavelmente.

Nunca fotografo paisagens. A não ser que haja algum mistério nelas.

A paisagem precisa que a luz e o olhar estejam à sua altura.

O mais belo perante uma paisagem é sempre o que sentimos perante ela.

O mais efémero da paisagem é o nosso olhar.

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Ideia a desenvolver: anjos numa capoeira.

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Um homem na cama. Acorda. Estremunhado vai à casa de banho. No caminho, derruba uma cadeira, mas não se dá ao trabalho de a apanhar.
Na casa de banho, descobre que tem sangue na cueca. Pragueja e atira as cuecas para o chão. Imagem das cuecas. Do sangue.
O homem toma um longo duche. Faz a barba, lava os dentes. Depois, volta ao quarto, abre o estore e a janela.
Está um dia de merda. Então, diz: «Passamos uma grande parte do tempo a fazer de conta. Só por breves momentos conseguimos viver verdadeiramente a nossa vida».


*
Dejá vu
Uma senhora sentada na mesa ao lado da minha anuncia à amiga que a filha vai dirigir um festival de música. De súbito, sei que já ouvi esta conversa, embora isso seja impossível. E penso: «Tomamos por improvável o que a nossa mente não entende. Mas também não entendemos a nossa mente.»

*

Pensamento do dia
Que o amor é muito mais importante do que o sexo é algo que vamos aprendendo com a idade.

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Seres racionais? Nós? Tão pouco... Não há ninguém tão inteligente que ultrapasse a sua irracionalidade. Que consiga abafar a parte de irracionalidade que existe em si. A racionalidade é a ponta do iceberg.

*
No silêncio da noite, a angústia é uma música que longe de te apaziguar, te esfola.

*

Deus pode não existir, mas é tudo o que permanecerá depois de tudo desaparecer.

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Projectos:
Um Homem Com Dono
As Férias de um Escravo
A Fábrica Avariada
Vale Esquecido
Hotelo
Tanto quanto me lembro

*

A minha Leica é uma Lumix
myfakeleica

*

Um vestido de pele
tingido de preto.
De mãos atadas, espero
que o sol o dispa.

*

Toda a gente na esplanada parece esperar.
O quê?
Que eu me vá embora?
Que a cidade se desvaneça no ar?
Que o diabo os tire desta mansidão?

De mãos vazias o pergunto.
Não respondam todos ao mesmo tempo.

*

Contemplem a minha nudez:
a minha armadura é feita de ossos,
sangue e ocasiões perdidas.

*

Por vezes,
o que escrevo
faz-me o efeito
de um animal morto
no meio da estrada.

Da poesia
já só resta
o desespero.

*

Sou um guerreiro vencido
Na prisão de uma liberdade
Vã.

Sou um pedaço de barro,
Um artesão das palavras mais banais,
Perdido nas margens da memória.

Sou uma sombra, um eco,
Do que fui, e serei,
Uma estátua errante e mortal.

*

Passa um avião e inquieto-me.
Por vezes, até a calma é uma maldição.

*

As palavras que procuro… não encontro.
As que encontro… desiludem-me.
Se sou poeta, com desespero o vivo.
A minha loucura não tem comparação.

*

Com um escasso punhado de palavras
A mão da memória
Na sua perfeita simplicidade
Liberta ideias…

*

«As imagens são bonitas, não podemos passar sem elas, mas são também um tormento».Kafka numa carta para Felice

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Freud afirmava que «fazemos música para evitar sermos esmagados pelos horrores da realidade».

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